Após vários casos que fizeram o mundo estar de olhos postos no Qatar, nomeadamente, o caso de Paola Schieteka, uma economista, a trabalhar na comissão organizadora do Mundial, condenada a sete anos de prisão e 100 chibatadas, mas também devido aos milhares de trabalhadores envolvidos na construção da estrutura do mundial que morreram devido às más condições de trabalho, a AI tem lançado vários apelos.

Por todos estes motivos, o Qatar tem estado nos holofotes da imprensa internacional pela violação consecutiva de direitos humanos. Por sua vez, em Portugal, Paulo Fontes, diretor de comunicação e campanhas da AI, a seis meses do início do Mundial “as reformas e avanços têm tardado” ou “não parecem estar a acontecer”, contou.

“É, por isso, importantíssimo que os agentes desportivos, e não só, também políticos, compreendam a sua importância e relevância neste momento e que tragam este assunto, que tomem uma posição, também ela clara, de colocar os direitos humanos em cima da mesa, juntamente com este tema do desporto e do futebol”, comenta.

As mais de 15 mil pessoas que morreram entre 2010 e 2019, dados “já um bocadinho atrasados” e que podem até ser mais altos, uma figura que vai variando, mas que, segundo os relatórios mais conservadores, ascende a pelo menos 6.500 óbitos, leva a que se tema “que depois do Mundial se descubra que o tapete tem muito mais lixo debaixo do que o que se vê”.

“Agora é a oportunidade, em que os olhos do mundo estão postos no Qatar, em que muitas pessoas, desde líderes políticos de todo o mundo até os fãs comuns do futebol vão estar a olhar. Agora é o momento de exigir mudanças. Depois de o Mundial passar, os holofotes saem de lá, e se as condições já são agora assim, a seguir o que acontecerá com estas pessoas?”, questiona.

“Um exemplo do que não se pode nem deve fazer é o do presidente da FIFA, Gianni Infantino, de desculpabilizar o que está a acontecer. O que se pode fazer é pressão constante, em todo o tipo de fóruns e relações com as autoridades qataris, no âmbito do futebol, e noutros fóruns. (...) Temos seis meses para fazer acontecer o que não conseguimos na última década”, alerta.

Para o dirigente, “a FIFA tem de compreender a sua responsabilidade internacional nesta matéria”, apontando para a petição aberta que a Amnistia lançou, com 280 mil assinaturas, a pedir ao organismo de cúpula do futebol mundial que abraçasse esta responsabilidade, entregue em 14 de março deste ano.

“Os representantes da FIFA e da Organização Internacional do Trabalho que estavam nesta reunião reconheceram os desafios neste setor, e que ainda falta avançar em termos de direitos dos trabalhadores no Qatar, e reconheceram que as denúncias e investigações trazem dados que têm um impacto junto das federações nacionais de futebol em vários países, que têm de começar a abordar as questões de direitos humanos com maior seriedade e de forma pública”, conta.

Com “pressão conjunta de todas as frentes”, vem a responsabilidade de os países apurados, como Portugal, se envolverem, não só a nível diplomático, “com Governos e presidente”, como pela Federação Portuguesa de Futebol.

Outros países já se posicionaram, como a Dinamarca, cujos patrocinadores cederão espaço nos equipamentos a mensagens de direitos humanos, que já pontuaram em camisolas da seleção alemã antes de um jogo de qualificação.

“Cada órgão, e cada entidade, deve compreender a sua responsabilidade e definir o que pode ser melhor para fazer isto acontecer. Portanto, às vezes estar no local é mais fácil para fazer a mudança acontecer. Noutras situações, o melhor é mesmo nem sequer estarmos. O que é importante aqui é nunca estar sem ter esta questão na sua centralidade. Em todos os eventos que estivermos, sejam patrocinadores, equipas, jogadores, líderes políticos, que coloquem sempre a questão dos direitos humanos e direitos dos trabalhadores no Qatar em cima da mesa”, explica.

Para Paulo Fontes, de resto, a ideia de separar a política do desporto não colhe neste caso, dado que “o futebol tem muito do que são também os direitos humanos”.

“Ensina o espírito de equipa, sobre inclusão, sobre entreajuda, e o próprio espírito do desporto, e do futebol em concreto, ensina valores importantes para os direitos humanos. O Mundial ser no Qatar e o Mundial enquanto evento que obviamente tem outras dimensões que não só desportivas: económicas, políticas, e tem também obviamente muitos interesses em cada uma dessas dimensões”, aponta.

O dirigente da Amnistia lembra, a propósito de ações que jogadores e federações podem tomar, a campanha “Eu Jogo Pelos Direitos Humanos”, que a organização lançou e desenvolveu com vários parceiros institucionais em Portugal, entre eles a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Federação Portuguesa de Futebol.

“Tivemos muitos agentes desportivos, desde jogadores, equipas, treinadores, a trabalhar connosco, incluindo o [selecionador nacional] Fernando Santos, que fez um vídeo, o vídeo final do projeto, e que também falava muito sobre estas questões”, recorda.