Na peça, que parte depois em digressão pelo Algarve, com apresentações a 23 de outubro, pelas 17h00, no Auditório Carlos do Carmo, em Lagoa, e nos dias 28 e 29 de outubro, às 21h00, no IPDJ, em Faro, Pepita, Sandra e Sissi, três mulheres de diferentes gerações, nacionalidades e línguas — português, espanhol e francês —, manifestam o mesmo desejo: o de partir.

Pela ambição ou pela urgência da fuga, cruzam-se os destinos de uma jovem que procura a fama no estrangeiro, uma mãe viúva que se recusa a um casamento forçado e uma senhora que, passadas décadas de servidão, procura um fim diferente para a sua vida. Esmagadas pela esperança de um outro futuro, assistem, porém, ao desvanecimento dos seus sonhos numa viagem cruel.

Será que têm mesmo o direito de partir?

Atenta às desigualdades e às violências de género que nunca deixam de acompanhar as experiências das mulheres migrantes — muitas vezes, até, de forma ampliada —, “Samotracias” propõe um compromisso com estas reflexões tanto em cena como nos seus processos de criação artística. Fiel à lógica feminina de horizontalidade das decisões, privilegiando um modelo de trabalho coletivo e implicado socialmente, a peça incorpora a escuta e a partilha de histórias de mulheres migrantes residentes em vários concelhos do Algarve. A aproximação e o engajamento com a comunidade manifestam-se, ainda, no âmbito pedagógico, com apresentações para escolas nas cidades de Loulé, Lagoa e Faro.

Desde Les Samothraces, publicado em 2000 pela escritora francesa Nicole Caligaris, a tragédia daqueles que continuam a andar sem rumo, casa ou sorte multiplicou-se: “aconteceu Mória, aconteceu uma pandemia global, [...] continuou Gaza, continuou o Irão, continua o género a ser tabu”, diz Carolina Santos. Aconteceu, também, o Afeganistão e, agora, a invasão da Ucrânia, que obrigou e obriga centenas de milhares de mulheres a abandonarem a sua terra, e parte das suas identidades, com as suas crianças e famílias. Num momento histórico em que se vive a maior vaga de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, “como não ser uma Samotrácia?”, desafia-nos a diretora.

Sem se esquivar dos dilemas da atual geopolítica portuguesa e europeia, numa história fictícia, mas não por isso menos real, “Samotracias” segue, de perto, os itinerários de mulheres desenraizadas e, por isso mesmo, sempre em movimento.