Faltam poucos dias para as eleições e uma Pessoa Muito Importante vem à cidade para nos dizer porque é que devemos votar nele. Estão a ser agitadas bandeiras e um homem com um megafone está a tentar fazer com que todos cantem um slogan. Aparece um pequeno intervalo na confusão, por isso arriscamos, passamos a correr e subimos as escadas para o Mercado Municipal. Ufa!

Encontrámos a salsa. Também há sardinhas com bom aspeto. Duas mulheres sentam-se uma ao lado da outra, cada uma a oferecer peixe fresco e gordo e a instigar-nos a comprar. Decidimos dividir o pedido em dois e pedir metade a cada uma, um compromisso que não satisfaz inteiramente nenhuma delas. Não importa. Dois sacos de sardinhas depois, voltamos a enfrentar as multidões políticas. A pessoa muito importante ainda não chegou. Está atrasada. As pessoas muito importantes raramente chegam a horas. Por isso, a multidão está a ficar inquieta. O manipulador de multidões com o megafone está a trabalhar arduamente para acalmar as almas inquietas. Slogan! Slogan! Slogan! Slogan! Não está a funcionar tão bem como deveria. Não está a funcionar tão bem como deveria.

Multidões

Olha! - uma abertura. Agarrados à salsa e às sardinhas, passamos a correr e descemos a trote a encosta, passando pelo rancho folclórico, que está a entreter a multidão muito mais do que os vendedores ambulantes na praça. É um dia de rum quando um acordeonista está a fazer sons mais agradáveis do que os dos pregadores na praça da cidade. Dobramos uma esquina e o sol brilha no rio. Ah! A paz e a tranquilidade do Rio Vez. Mas há ainda outro obstáculo a ultrapassar. Veículos longos e pretos, com os símbolos do partido político, enchem a estrada e um dos condutores discute com a GNR no cruzamento. A estrada está bloqueada, dizem-lhes. Temos uma pessoa muito importante para entregar, respondem. O encolher de ombros da resposta é palpável. A estrada continua bloqueada, dizem-lhes. A Pessoa Muito Importante vai ter de ir a pé. A incredulidade enche o ar perante este conceito incompreensível, mas nós pomo-nos a andar antes de o assunto estar resolvido.

No rio, os martim-das-ragas continuam a voar e a mergulhar, aos quais se juntaram os andorinhões, que exibem a sua velocidade e habilidade superiores. Respiramos fundo a calma e atravessamos a ponte velha que dá o nome à cidade. Para além dos andorinhões e das águas cristalinas, é tempo de procurar a paz e a harmonia. Temos o sítio certo para ir, pois estamos alojados na Quinta de Pereirinha, a uma curta distância de carro.

A Dona E. está no jardim e trouxe o Pedro para fazer um pouco de trabalho. Eles vivem ao fundo da rua. Ela pára para nos contar a história da família da casa, deixando o Pedro a tratar da monda. Oferece-nos um cesto de nêsperas e outro de morangos silvestres. Seria má educação recusar. Sirvam-se de laranjas e limões das árvores, diz ela, fazendo eco de um encorajamento anterior de uma das suas filhas que nos tinha recebido quando chegámos. Trouxemos laranjas e limões das nossas próprias árvores, mas fomos dar uma olhadela na mesma. Nunca tínhamos visto nada assim. Será que estão a fazer um concurso para cultivar os maiores e mais feios limões do mundo? É lícito pensar que sim. Tirámos um da árvore. Uma criança pequena poderia perder-se atrás dele.

Créditos: Imagem fornecida; Autor: Fitch O'Connell;

Tranquilo

Uma poupa sai da sombra das cerejeiras e passa por cima de uma linha de videiras; no vale, um papa-figo canta; um pisco desconfiado olha-nos de um cepo musgoso. Do interior da casa, o som mais alto é o de uma página a ser virada num livro. Isto é tão pacífico quanto possível. O contraste com a agitação política da cidade, a apenas 4 ou 5 quilómetros de distância, não podia ser maior. Sou fã de estar politicamente empenhado, mas não acho que um número suficiente de pessoas o esteja, especialmente se considerarmos que a política pode determinar se somos ou não escravos. Sugiro que isto é culpa dos partidos políticos. Para se ser politicamente empenhado, é preciso ser capaz de ter uma visão alargada das questões e uma visão a longo prazo dos resultados e de se afastar de facções, tendências ou grupos de pressão. A maior parte dos partidos políticos não quer que se faça isso; querem capturar-nos, como um culto. Por isso, a maioria das pessoas está farta das distorções da verdade, das mentiras e das falsas promessas que a política partidária muitas vezes traz. Muitos estão a evitar os medicamentos patenteados que lhes são receitados, optando, infelizmente, por veneno.

Na quinta, porém, o silêncio ruidoso da natureza - zumbidos e zumbidos, chilreios e susurros - substitui toda essa confusão e angústia. A mente acalma-se por um momento e contemplamos a curiosa textura do limão gigante. Será que isto é uma metáfora para alguma coisa? Ou será apenas um limão de grandes dimensões? Bocejo. A sonolência instala-se; sinto as pálpebras cada vez mais pesadas e, em breve, estou ...


Author

Fitch is a retired teacher trainer and academic writer who has lived in northern Portugal for over 30 years. Author of 'Rice & Chips', irreverent glimpses into Portugal, and other books. Also on Substack.

Fitch O'Connell