"A deficiente reforma do Governo de António Costa permitiu um afluxo de imigrantes irregulares e não conteve o acesso de organizações criminosas que exploram a imigração ilegal", afirmou o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em resposta à Lusa, defendendo que o Governo deve aproveitar a margem de manobra concedida pela diretiva europeia de retorno para introduzir alterações de fundo no sistema português.

"Legado caótico"

O Governo já anunciou que pretende rever até ao final do ano a legislação para facilitar a expulsão de estrangeiros em situação irregular, tudo indicando que serão aumentados os períodos de detenção e reduzidas as garantias administrativas, no âmbito da anunciada revisão da diretiva europeia de retorno, associada ao Pacto para a Migração e Asilo.

Criticando o "legado caótico" herdado do governo do Partido Socialista, Blanco de Morais apontou os problemas da Agência para a Integração, Migração e Asilo(AIMA) na gestão destes processos, tendo aberto apenas 194 processos de afastamento forçado de imigrantes indocumentados, mas "só uma pequena parte desses processos resultou em saídas efectivas".

"Apesar de a AIMA ter aberto mais de 9.000 processos este ano, o caminho para a expulsão é moroso e até kafkiano", porque a legislação é "deficiente e complexa" e está "desnecessariamente centrada nas garantias, prevendo uma excessiva judicialização na expulsão de imigrantes indocumentados, com segundas instâncias de recurso das decisões dos tribunais de expulsão, períodos de detenção temporária excessivamente curtos e falta de meios adequados para localizar, identificar, deter e expulsar os imigrantes indocumentados".

Redução dos prazos

Por isso, o professor propõe "reduzir os actuais prazos legais de aceitação do acordo de saída voluntária" para um máximo de sete dias e, "em caso de recusa ou ausência de resposta", colocá-los num "centro de detenção temporária para procedimento coercivo de regresso", assegurando a sua "expulsão expedita" se "houver risco de fuga ou impedimento de regresso".

Nos casos de "incumprimento dos prazos de saída voluntária ou de saída coerciva", o jurista defende a "expulsão acelerada" e, para evitar casos como o que aconteceu com o grupo de marroquinos no verão, propõe "o alargamento do período de detenção dos irregulares num centro de instalação de dois para 18 meses, de acordo com o limite máximo da diretiva", com avaliação regular por um juiz de primeira instância.

"Operações de controlo"

Entre outras propostas pormenorizadas, Blanco de Morais defende "operações de rastreio" nas zonas fronteiriças, "maior flexibilidade na recusa de entrada, de acordo com as disposições do Pacto Europeu" e, nos casos em que os países de origem se recusem a receber os imigrantes irregulares expulsos, propõe "acordos de cooperação" com países terceiros, "com os quais se chegue a um acordo para que possam garantir o trânsito".

Em alguns desses países terceiros, devem ser criados "centros de retorno para migrantes irregulares e requerentes de asilo que não provem imediatamente perseguição ou ameaça de perseguição", defendeu.

Para ultrapassar os problemas do sistema jurídico português, Blanco de Morais defende a "criação de novos tribunais de primeira instância" para resolver a questão, o "encurtamento dos prazos dos procedimentos administrativos e dos processos judiciais correspondentes ao retorno forçado" e um "aumento muito significativo, para níveis dissuasores, das coimas para as companhias aéreas que facilitem a entrada, em aviões, de menores não acompanhados e sem documentos, normalmente utilizados pelas redes de imigração ilegal".

O professor defende a construção urgente de "centros de detenção provisória" junto às fronteiras aéreas e portuárias, o reforço dos efectivos da polícia de fronteira e o aumento das investigações para "avaliar o financiamento dos estabelecimentos comerciais sem atividade que justifique o pagamento de rendas comerciais elevadas", procurando "identificar as suas fontes de financiamento", entre outras matérias.

"Problemático"

Em Portugal, tal como no resto da Europa, a imigração é atualmente "uma situação problemática", o que, segundo Blanco de Morais, se deve à "evidente falta de controlo do fluxo migratório", aliada a uma "indústria da imigração ilegal", com o "apoio financeiro de associações ditas filantrópicas ligadas a centros transnacionais de poder económico" e de "ONGs envolvidas em desembarques obscuros em massa na costa mediterrânica".

O jurista fala ainda do "abuso de pedidos de asilo por parte de imigrantes não perseguidos", das "crises no Médio Oriente geradas, em parte, pelo intervencionismo anglo-americano e pela pressão russa que visa exacerbar a pressão migratória", ou das "redes de imigração ilegal patrocinadas por muitas empresas ávidas de mão de obra barata, apoiadas por representantes jurisdicionais obscuros", entre outras preocupações.

O eurodeputado português está também preocupado com as "falhas observadas tanto na segurança pública como no funcionamento do Estado social", não confiando nas "estatísticas nem sempre fiáveis" existentes em Portugal.

Por outro lado, Blanco de Morais sublinha que "há uma questão natural de identidade ligada à reação da população nativa a um afluxo desproporcionado de estrangeiros com culturas e modos de vida claramente diferentes".

O jurista afirmou que "certas comunidades de Estados terceiros rejeitam a integração", criando um contexto de "multiculturalismo", com "a coexistência autónoma de várias etnias, culturas ou modos de vida claramente diferenciados, no mesmo Estado ou região, com derrogação das leis e símbolos estatais".

Desta forma, argumentou, "criam-se enclaves urbanos ou 'micro-sultanatos' com leis materiais próprias que ignoram a lei e a ordem do Estado de acolhimento".

No caso português, a "facilidade de obtenção da nacionalidade por meras razões de conveniência, como a O professor sublinhou que a legislação irresponsável que vigorou até 2025 também não ajudou à integração.

Nos países europeus, "um grande sector da população autóctone e identitária reage eleitoralmente a esta desordem migratória, votando em partidos populistas de direita que defendem restrições drásticas ao fenómeno", e esta ascensão acaba por desestabilizar o sistema partidário e gerar instabilidade, sublinhou ainda.